10.1.19

introdução


Estava sem andar de bicicleta há uns dias. Hoje resolvi dar uma volta. Sem pretensão alguma, sem destino, sem pensar no trajeto. Mentira. Pensei e fui até sua rua. Fui devagar, contemplando o mar, alguns surfistas, famílias chegando, famílias saindo. Não dava para ver as ilhas. Ao dobrar a esquina da sua rua, elas vieram. Todas juntas. Milhares e milhares de lembranças. Todas de uma única vez. Pedalei devagar.  Cheguei próximo ao portão. Janelas abertas. Mais lembranças. As portas largas de madeira, as músicas, os banhos na ducha. O chão gelado. O ataque do seu amigo. O reggae. Nossos momentos. Alguém estava por ali. Um senhor bronzeado de cabelos brancos. Podia ser seu pai, mas não era. Sem entender direito imaginei você assim no futuro. E isso me tranquilizou, como se eu tivesse a certeza que continuaria entrando na sua rua e te encontrando. Admiraria de longe, como tentei fazer. Mas respirei fundo, voltei para a praia. Sentei e olhei o mar. As crianças correndo me lembraram seus filhos. Duas meninas chegaram juntas, com seus quinze anos e uma delas de biquíni vermelho. Não teve como não lembrar de mim mesma. Da ânsia de ir logo para a praia. De ver sua irmã fazer sua trança. Ver você entrar no mar. De rirmos juntos no por do sol. Do melhor beijo. Das promessas. De tantos encontros e desencontros que tivemos. Do nosso esforço em tentar manter e tentar não esquecer. Será que consigo eternizar em palavras e páginas? Dessa pergunta veio uma certeza. Respirei fundo novamente. Consegui ver as duas ilhas. O mar brilhava intensamente. Mais surfistas chegavam. Nenhum era você. De longe outras crianças corriam para o mar. Nenhum daqueles pais era você. E novamente então veio a certeza: você está aqui dentro, na minha memória mais preciosa. Não há motivo para te reencontrar. Não quero ver se você está com barba, cabelos brancos, mais um cachorro ou mais uma tatuagem. Quero manter viva sua gargalhada. Seu olhar dentro do meu numa tarde febril. Suas covinhas tímidas quando eu te contei que estava namorando. Um misto de alegria, ciúme e compaixão. Quero continuar guardando dentro do vento e da maresia grudenta todas as boas lembranças desses vinte anos que passaram. Vinte anos? O suor então escorre e junto escorrem lágrimas. Tomo um pouco de água. Volto a pedalar sem olhar para trás. Sigo a direção oposta com o coração cheio de saudade. Não sei se consigo escrever o livro, mas tenho certeza que voltarei a visitar sua casa no próximo verão.