24.12.10

Você pode me ouvir?

É muito estranho pensar no sentimento que tive agora ha pouco, justamente hoje, véspera de Natal. Mas tive e então resolvi compartilhar aqui. Eu tive um sentimento de impotência. Nem sei se isso é um sentimento ou uma emoção. Mas, enfim, me senti impotente. 

Voltava do trabalho ouvindo En el muelle de San Blas, do Maná. Sentei no banco alto (como sempre) e fiquei com o pensamento vago, vendo a Paulista passar pelos olhos. Foi aí que ela entrou no ônibus e escolheu um lugar pra sentar. 

Deviam ter uns 15 assentos livres, mas ela preferiu sentar ao meu lado, com o celular na mão e uma bolsa grande. Não dei importância. Ela sentou e a avenida natalina passava a cada esquina junto com a música. Eis que quando estávamos chegando perto da Augusta ela me cutuca e pergunta: moça, você vai descer logo? Aonde vc vai descer exatamente?

No mesmo instante pensei que ela queria ficar na janela e ia pedir pra trocar de lugar comigo ou, o mais óbvio, buscava uma referência de ponto ou rua. Mas não. Trocamos um olhar rápido e ela então me disse: é que estou passando por uns problemas e queria desabafar. Você pode me ouvir? E antes que eu respondesse ela se virou para os lados procurando algo no ar e falou: Me desculpe. Você deve achar que sou louca, não quero te atrapalhar, mas é que ... eu realmente estou com problemas, sabe?

Daí a música já havia terminado e o Maná seguia com Vivir sin aire. Estranho é a relação que fiz das músicas que tocaram uma na sequência da outra com toda (ou quase toda) a angústia que ela estava passando. En el muelle de San Blas conta a história de uma moça que ficou num porto esperando seu noivo voltar de uma viagem e encontrá-la. O tempo e a tristeza corroeram os anos e as pessoas da região a chamavam de louca. Vivir sin aire fala da paixão de um cara que queria amar a mulher um pouco menos, porque ela é vital para ele etc.

Pois bem. A história da moça é bem complicada, até porque ela ficava olhando tanto para os lados (como se alguém a perseguisse) que eu mesma me perdi um pouco naquilo tudo que ela dizia. Os olhos verdes sem brilho, o cabelo loiro e fino tal qual o meu. Reparava em detalhes que expressavam claramente que ela precisava de ajuda. Ela dizia da irmã que é psicopata, de maus tratos que já recebeu na vida, de drogas que a família toda usa e da máfia japonesa. Misturava cada coisa com novelas, filmes e fazia várias co-relações interessantes. E foi numa dessas que eu percebi o quanto ela é inteligente e vivida. 

E foi aí também que senti pena e que fiquei paralisada. Como eu poderia ajudá-la? Não por ser Natal ou qualquer coisa, mas, como poderia aliviar este medo que ela sente da vida, das próprias ideias e dos sonhos? Ao levantar eu disse apenas para ela tentar não intensificar demais as coisas, se os outros têm problemas, os problemas são deles. Para ela tentar se sentir mais leve e melhor. Ela me olhou assustada - como sempre - e disse: talvez você tenha razão, apesar de achar que você pode ter sido enviada por eles. 

Engoli seco e desci. A única coisa que pensei foi em como poderia ajudá-la.

2 comentários:

*Livia* disse...

Estranho como de vez em qdo a gnt se vê em situações inexplicáveis.
Parec que algm tá esfregando na nossa cara que 'poderia ser pior'. não?!
Bjos, Feliz Natal!! =)

thaís disse...

Nossa, que intenso. Obrigada por partilhar este momento de intimidade, esse seu sentimento e essa situação tão pessoais. Tão bom ler sobre sentimentos autênticos e acontecimentos de real importância para a vida de alguém, em contraponto às banalidade, superficialidade e publicidade que compõem 99,9999% de tudo que chega até nós hoje em dia. Que bom que não sentiu vergonha, hesitação ou qqer outra coisa que pudesse te impedir de escrever esse texto. Parabéns! beijos